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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Salvação e livre-arbítrio


Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 8 do trimestre sobre “A obra da salvação”

  Dois caminhos. (Foto: Jens Lelie / Unsplash)


No primeiro ponto do segundo tópico da Lição 8, intitulada Salvação e Livre-arbítrio (4 Trimestre 2017, CPAD), no meio do texto em que traz um brevíssimo apanhado histórico sobre Jacó Armínio, o comentarista da Lição diz o seguinte:
“Tendo sido envolvido numa disputa calvinista, desenvolveu uma tese bíblica a partir dos primeiros Pais da Igreja, que foi denominada de Arminianismo. Sua principal característica é a defesa do livre-arbítrio” (destaque meu).
No livro A obra da Salvação (CPAD), também da autoria do comentarista da Lição, e que serve como livro de apoio para o professor da Escola Dominical ter o mesmo conteúdo da Lição bem mais desenvolvido teologicamente, o autor informa na página 89:
Jacó Armínio (…) Sua principal defesa doutrinária é o livre-arbítrio humano” (destaque meu).
Com a publicação de As Obras de Armínio em 2015 e de Arminianismo: a mecânica da salvação (Silas Daniel) ainda no primeiro semestre desse ano, e ambas pela editora CPAD, causa-me surpresa que este reiterado equívoco tenha “passado em branco” tanto na revista da Escola Dominical como no livro de apoio do professor. E isso sem contar a excelente bibliografia de obras robustas sobre Teologia Arminiana, bem como livros biográficos dos maiores especialistas no mundo em Jacó Armínio, que vêm sendo publicados desde 2013 pela editora Reflexão. Não se pode mais escrever teologicamente sobre Armínio e Teologia Arminiana, sem consultar estas muitas obras, para que os mesmos velhos erros de que acusaram Armínio e sua teologia não permaneçam se perpetuando entre os estudantes da Bíblia, da teologia e da história da igreja, especialmente entre os próprios arminianos! “Persiste em ler” (1Tm 4.13).
Procederemos aqui a correção dessa informação, visto que ela pertence apenas ao imaginário popular, mas não condiz com a realidade dos fatos. O livre-arbítrio humano não foi a principal defesa doutrinária de Armínio, nem é a principal característica do Arminianismo (pelo menos não dos arminianos que sabem o que de fato é o Arminianismo, para além de vagas opiniões populares, sem sólida fundamentação literária). Aliás, seguimentos do protestantismo, como o calvinismo, já teceram muitas críticas ao Arminianismo justamente em razão dessa suposta centralização da vontade do homem em sua teologia, em detrimento da centralização do próprio Deus.
Acusam-nos de “humanistas”, e taxam nossa teologia de “antropocêntrica”. De fato, a crítica seria procedente, se a defesa vontade livre do homem fosse nossa principal empreitada teológica e apologética. Mas não é! Portanto, tal acusação que – lamentavelmente! – encontra pálido respaldo em escritos de não-especialistas em teologia arminiana, é não só improcedente, como também ofensiva. Deus, não o homem, é o centro da teologia de Armínio e dos arminianos!
A defesa do amor, da bondade, da justiça e da graça divina liberada sobre todos os pecadores em todo mundo é que foi o grande labor do jovem teólogo holandês Jacó Armínio e dos Remonstrantes que seguiram seus postulados, confiantes de que se respaldavam numa sólida teologia bíblica e histórica, tendo seus precedentes, de fato, entre os antigos Pais da Igreja. Apesar de leitores comuns (tanto professores da EBD quanto alunos) não fazerem muito caso desta correção, ela é necessária, visto que pretende estabelecer com justiça a verdade dos fatos. E não devemos ter todos nós amor pela verdade? Não devemos todos ter “fome e sede de justiça”?
PRIMEIRO: MAIS GRAÇA DE DEUS, MENOS ARBÍTRIO DO HOMEM
Fazendo uma pesquisa rápida nos três volumes de As Obras de Armínio (CPAD, 2015), pode-se notar uma singela, mas importante estatística: a palavra graça (referindo-se ao favor de Deus) ocorre aproximadamente 1.700 vezes em As Obras de Armínio; ao passo que o termo livre-arbítrio (referindo-se à vontade liberta do homem para escolher entre alternativas propostas diante dele) ocorre aproximadamente 140 vezes apenas! Ou seja, a graça de Deus aparece cerca de DOZE VEZES MAIS que o livre-arbítrio humano. Isso por si só deve chamar nossa atenção para o fato de que Armínio esteve mais ocupado em exaltar a graça de Deus, que é do alto, do que em confirmar o livre-arbítrio humano, que é de baixo.
Essa informação por si só já deve chamar nossa atenção para o que de fato era o principal labor do teólogo Jacó Armínio.
SEGUNDO: O ARBÍTRIO HUMANO É SECUNDÁRIO; A GRAÇA DIVINA É PRIMÁRIA
Os filhos de Armínio, após a morte de seu pai, escreveram uma carta em 13 de agosto de 1612, falando das muitas falsas acusações de que Armínio foi vítima já em seu tempo, de sua devoção e piedade, de seu labor teológico, e de seu espírito firme na defesa daquilo que acreditava estar em sintonia com as Escrituras. No meio desta carta, há uma expressão que muito me agrada, quando eles disseram:
“É melhor que os leitores prudentes ouçam as suas palavras proferidas por ele mesmo, e não por nós, que estamos apenas gaguejando sobre ele. É mais doce a água que bebemos na fonte, do que aquela que bebemos a alguma distância da nascente” (1).
Pois bem, vejamos em algumas citações pontuais, a relação que Armínio estabelece entre graça de Deus e arbítrio humano, colocando o arbítrio do homem como dependente da graça de Deus, e sem o qual ele nada pode fazer, estando destituído de poder e morto!
  • Pelo pecado, o homem perdeu o seu livre-arbítrioque agora é “arbítrio-escravo”
“Devemos saber que o primeiro homem foi criado livre por Deus, mas, tendo abusado de sua liberdade, a perdeu, e foi feito escravo daquele a quem obedecia, isto é, o pecado, tanto com respeito à culpa da condenação como ao seu domínio, que é a verdadeira escravidão e desgraça total” (2)
  • O livre-arbítrio do homem em questões espirituais está destruído
“o livre-arbítrio do homem para o que é bom não somente está ferido, aleijado, enfermo, distorcido e enfraquecido; ele também está aprisionado, destruído e perdido. E seus poderes não estão somente debilitados e inúteis (a menos que seja assistido pela graça), mas está totalmente privado de poder (…) ficará evidente que nada pode ser dito mais verdadeiro sobre o homem nesse estado do que o fato de que ele já está morto em pecado (Rm 3.10-19)” (3)
  • Somente poderão usar o livre-arbítrio quando forem, antes, alcançados pela graça
“Nenhum homem crê em Cristo, exceto aquele que foi previamente disposto e preparado pela graça preventiva ou precedente para receber a vida eterna” (4)
  • A graça estabelece a liberdade do arbítrio e o auxilia para que tome decisões certas
“Porque a graça é branda e se mescla com a natureza do homem, para não destruir dentro dele a liberdade da sua vontade, mas para lhe dar uma direção correta, para corrigir a sua depravação, e para permitir que o homem possua as suas próprias noções adequadas” (5)
  • O livre-arbítrio estabelecido pela graça precisa a todo tempo colaborar (permitir-lhe livre curso) com a graça para que ela seja eficaz em seus efeitos
“assim como a graça preserva, o livre-arbítrio também é preservado, e o livre-arbítrio é o sujeito da graça. Logo, é necessário que o livre-arbítrio colabore com a graça, que é concedida para sua preservação, mas auxiliada por uma graça subsequente, e sempre permanece no poder do livre-arbítrio rejeitar a graça concedida, e recusar a graça subsequente; porque a graça não é a ação onipotente de Deus, à qual o livre-arbítrio não consiga resistir” (6).
Se, somente se, a principal característica da teologia de Armínio fosse o arbítrio humano, que com certeza não é, então não seria “o livre-arbítrio humano”, mas sim “o arbítrio humano destruído e necessitado da graça divinal”. Para Armínio (como para Calvino, Lutero, Agostinho e muitos Pais da Igreja), o arbítrio do homem só é feito livre mediante uma ação antecedente da graça de Deus. Ou seja, não é o homem que vem primeiro a Deus, mas Deus que vem primeiro ao homem. Armínio, claro, distingue-se destes grandes vultos do século 16 (e também de Agostinho de Hipona, séculos IV-V), e aproxima-se dos antigos patrísticos, aqueles que estiveram mais próximos dos apóstolos de Cristo, quando ensina efusivamente que a graça de Deus para salvação é ilimitada e irrestrita, mas resistível, sendo direcionada aos pecadores em todo mundo, para salvação de todos eles – desde que cada um dê em seu coração livre curso à graça, para que ela seja eficaz na conversão deles. Enquanto para os monergistas (que defendem que a salvação é operada por decisão exclusivamente divina, sobre aqueles que ele de fato quer salvar) a graça de Deus faz o homem crer irresistivelmente, para os sinergistas (que defendem que a salvação é operada por decisão divina condicional à livre aceitação do homem), entre os quais Armínio está, a graça de Deus possibilita o homem crer. Armínio é categórico quando discorre sobre o modus operandi (o modo de operação) da graça de Deus:
“uma massa inerte é impulsionada, natural e necessariamente, pela aplicação de forças, que excedem a força de sua gravidade; mas nós, como seres humanos, somos estimulados segundo o modo de liberdade, que Deus concedeu à vontade, e por isso é chamada de livre-arbítrio” (7)
Por  - Gospel Prime
Casado, bacharel em teologia (Livre), evangelista da igreja Assembleia de Deus em Campina Grande-PB, administrador da página EBD Inteligente no Facebook e autor de dois livros: A Mensagem da cruz: o amor que nos redimiu da ira (2016) e Biblifique-se: formando uma geração da Palavra (2018).

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